Performance de Rafaela Aviz
Texto de Melquisedeque Matos
O título da performance “Suicídio 2018”, já prenuncia sobre qual a memória sensível abordada pela artista Rafaela Rocha de Aviz. A performance apresentada na Escola de Teatro e dança da UFPA (ETDUFPA), ocorreu com a performer disposta no centro do espaço, em pé, dentro da sala, estruturada com um projetor apresentando as fotos das automutilações da performer, concomitantemente, o áudio gravado pela artista toma conta do espaço da sala, com sua voz narrando a trajetória de sentimentos e dores que culminaram em sua tentativa de suicídio no ano de 2018.
O processo criativo dessa poética nasce partindo de uma reflexão sobre a autoimagem da performer. Para Salles (2011), esse movimento é um contínuo diálogo íntimo que se revisa a todo momento da obra. Dessa maneira, a autora comenta: “Uma mente em ação mostra reflexões de todas as espécies. É o artista falando com ele mesmo. São diálogos íntimos: devaneios desejando se tornarem operantes; ideias sendo armazenadas; obras em desenvolvimento; reflexões; desejos dialogando” (p. 50).
As indagações, as quais iniciaram pautando sobre a dependência de maquiagem e embelezamento, durante o trajeto criativo, enviesaram-se para outro caminho, uma direção que pulsava mais forte: A saúde mental. A vivência de depressão fez Rafaela relembrar momentos em que a dependência pela beleza não era tão presente, pelo contrário, batalhava contra seus pensamentos e as violências que praticava consigo mesma, por meio das automutilações e o intenso emagrecimento, chegando a perder até 11 kg. A depressão que a artista teve durante o ano de 2018, foi um momento conturbado e sensível, o qual pulsava para falar.
E por que pulsava? Pois o falar, dentro da depressão, é algo muito difícil, complexo e quase inalcançável. Essa psicopatologia tem como principal sintoma humor triste, além disso, acompanha uma gama de alterações biopsicossociais, uma delas, a apatia (Dalgalarrondo, 2019). É nessa desconexão do mundo que o vazio se instaura, o silencio é a tentativa de escutar os ecos internos que reverberam, trazendo sintomas como ruminações, pessimismo, realismo depressivo, o que contribui para a correlação entre as síndromes depressivas e as ideações suicidas (Ibidem, 2019). A performer comenta que passou por esse sentimento e o silencio colaborou para cometer o ato. Dessa maneira, Rafaela conta: “[…] com passar do tempo, piorei e cheguei a tentativa de suicídio. Sozinha, sem falar nada para, absolutamente, ninguém. Cometi o ato” (Aviz, 2022). Dessa forma, a performance foi a boca, a carta aberta, os não ditos que vibravam presos nos ossos, impossibilitados de soar pela garganta.
A vivência da performance quebra com a passividade social sobre temas como o suicídio. Nesse ponto, debater esses tópicos traz identificação e acolhimento. Pode proporcionar para pessoas que estão passando por vivencias parecidas, uma visão diferente das que o transtorno de depressão maior oferta, isto é, de que é possível construir uma rede de apoio, mas, acima de tudo, que não estão sozinhas.
REFERÊNCIAS
DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3 ed. Artmed editora,2019.
SALLES, Cecília Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Intermeios, 2011.
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