Morto de Cansado

Morto de Cansado

Texto e Performance de Rapha Rodrigues

Morto de cansado foi uma experiência performática sobre exaustão que ocorreu no dia 06 de dezembro de 2022 na Escola de Teatro e Dança da UFPA (ETDUFPA), sob a orientação da docente Ana Karine Jansen de Amorim, como resultado da disciplina Performance.  Esta disciplina foi ofertada no curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Pará (UFPA) no 6° período, de acordo com o novo Projeto Político-Pedagógico do Curso (PPC) que teve início no ano de 2019. Neste mesmo ano ingressa o estudante e performer deste trabalho, Rapha Rodrigues, nome artístico de Rafael Bruno Rodrigues dos Reis. De origem belenense, mas que já atravessou rios e estradas cametaenses, se encontra atualmente alojado no município de Ananindeua, região metropolitana de Belém.

Sua trajetória de discente, ator e performer na UFPA atravessa os cursos técnico de nível médio em Teatro, no período vespertino, e da Licenciatura em Teatro, no período noturno. Para além da universidade, trabalhos no estágio não obrigatório e remunerado no período diurno e atividades religiosas e teatrais nos fins de semana ocupam sua agenda semanal no período da realização da performance. Uma programação de muitas atividades e, consequentemente, cansativas.

Segundo o Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa, a palavra “cansaço” representa a “fadiga causada por excesso de trabalho, exercício ou doença”, o que no fim do semestre representava a realidade não apenas de Rapha, mas de toda a comunidade acadêmica. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han em seu livro “Sociedade do cansaço” (2015) argumenta o conceito de que o cansaço é uma resposta do corpo para o excesso de positividade e cobrança que a sociedade impõe.

Ao percorrer os espaços da Escola de Teatro e Dança da UFPA, sempre ouvia alguém relatando estar cansado. Esse estado de cansaço e exaustão era um ponto comum entre professores, alunos, técnicos e a equipe de serviços gerais da escola. Todos estavam, como indica a expressão popular, “mortos de cansados”.

Eckert, Peruchin e Mecca (2020) realizaram uma pesquisa com alunos de uma Universidade Comunitária Gaúcha sobre o estresse ocasionado no ambiente acadêmico. Nesta pesquisa quantitativa, 16% encontravam-se em estado de alerta, 36% com alguma resistência, 9% numa quase-exaustão e 12% encontravam-se exaustos.

O cansaço foi o tema central pensado pelo performer para a avaliação final e, para tratar o cansaço, a ideia pensada era perigosa por submeter a um estado exaustivo e vulnerável. O roteiro performático iniciava com uma caminhada como combustível para o performer estar cansado até chegar no lugar onde se deitaria no chão para aguardar quando alguém riscasse o desenho da silhueta de seu corpo no chão com carvão. A silhueta representava um corpo que acabara de morrer, como se fosse uma cena de homicídio, porém, o motivo do homicídio seria o próprio cansaço.

Sobre o dia da performance: era a primeira terça-feira do mês de dezembro. Dia nublado de uma semana chuvosa, o que parecia ser um dos obstáculos para a realização da performance Morto de cansado. Às 06h00min iniciava a primeira etapa da performance de Rapha Rodrigues: percorrer a pé o trajeto de sua casa (bairro Quarenta Horas em Ananindeua) até a Escola de Teatro e Dança da UFPA (bairro Umarizal em Belém), o que totalizava três horas de caminhada entre os dois pontos do trajeto. Esta caminhada foi inspirada nas performances realizadas por Artur Dória, apresentadas em sala de aula.

Ao caminhar na urbanidade do dia a dia da cidade, pode-se perceber o quanto ela é exaustiva, ligada no 220V, ininterruptamente frenética. O ato de caminhar neste espaço urbano teve um objetivo próprio: provocar exaustão no performer para a segunda etapa do trabalho. Para Mota (2016, p. 58) o caminhante é:

“alguém que caminha” desafiando, desfiando e desafinando este cenário urbano pautado por mazelas e hostilidades indesejáveis ao corpo, chamo de caminhante. Com isso, não me refiro a todos que caminham diariamente por necessidade, como aquele que se dirige da casa para o trabalho, mas a um tipo específico, que se coloca em situação ou intenção de caminhada, que percorre os espaços da cidade para experimentá-los não como função, mas como invenção, sem almejar objetivos precisos.

Esta primeira etapa também representou a rotina que o performer vivia: acordava sempre às 05h30min para que às 06h30min pudesse pegar o ônibus e se dirigir ao estágio. Ônibus lotado, muita das vezes quente, uma vez ou outra era necessário pegar dois transportes. Essas primeiras horas já eram cansativas.

Na segunda etapa da performance, Rapha deitou-se no chão do pátio da escola onde ao seu lado havia uma caixa contendo protetor solar, fruta, garrafa com água, guarda-chuva e uma sacola de carvão que ajudavam na performance. Com isso, o corpo do performer esteve sujeito a todo tipo de mudança climática (chuva, sol), de fome e sede, sensações às vezes vivenciadas na escola.

Durante a disciplina, a docente Karine Jansen apresentou diversos exemplos de performers e seus atos performáticos, como o da Marina Abramović, com sua performance Lips of Thomas. Abramović na realidade foi o ponto em que o performer encontrou forças para realizar a performance, pois, Lips of Thomas colocava em jogo os limites físicos da performer.

Para que a audiência pudesse identificar o que deveriam fazer com o corpo no chão, algumas placas foram dispostas nas paredes da escola como indutores, com frases do tipo: “Há quanto tempo você não tem mais tempo?”, “Você se sente cansado/a/e?”, “Excesso de positividade” ou, simplesmente o desenho de uma silhueta próxima ao corpo do performer (Figura 1).

Figura 1 - Placa com desenho de uma silhueta e a pergunta "Você se sente?”. Fonte: Dos Reis (2022)
Figura 1 – Placa com desenho de uma silhueta e a pergunta “Você se sente?”. Fonte: Dos Reis (2022)

Algumas das frases baseavam-se no livro de Byung-Chul Han, “Sociedade do cansaço”. Byung-Chul Han (2015) trata o século XXI como o século de uma sociedade da positividade e do desempenho. Diferente do século XX, que era de uma sociedade imunológica, da negatividade, de doenças da alteridade e da estranheza, o século XXI possui um excesso de positividade, de doenças neuronais (depressão, síndrome da hiperatividade e da síndrome de Burnout), que podem ser mais violentas e perigosas para o indivíduo, pois “a violência não provém apenas da negatividade, mas também da positividade, não apenas do outro ou do estranho, mas também do igual” (HAN, 2015, p. 3).

A partir dessas indicações, a audiência interagiu com a performance, riscando uma silhueta que percorria o corpo do performer no chão, que não movia de lugar até que alguém o riscasse. O performer preencheu o pátio e o estacionamento de silhuetas próximas uma das outras, totalizando, aproximadamente, uma centena de silhuetas (Figura 2).

Figura 2 – Interação da audiência com o performer no chão. Fonte: Gomes, Ingrid (2022).

Han (2015, p. 8-9) fala de um esgotamento do obedecer a si mesmo por conta de uma pressão de desempenho. Somos pressionados por nós mesmos a realizar determinada tarefa com um bom desempenho e esquecemos que somos seres de fracasso também. Essa pressão nos leva ao cansaço, à exaustão, à fadiga. Para a performance, a pressão de desempenho era alcançar o capelo de formatura, um símbolo importante para o acadêmico, que se encontrava em frente à Biblioteca da ETDUFPA, do outro lado do início do percurso performático separado por um extenso estacionamento (Figura 3).

Figura 3 - Capelo em frente à biblioteca. Fonte: Gomes, Ingrid (2022)
Figura 3 – Capelo em frente à biblioteca. Fonte: Gomes, Ingrid (2022)

Portanto, o objetivo foi preencher todo o pátio e o estacionamento com as silhuetas do corpo do performer ou, uma das possibilidades seria do corpo de qualquer outra pessoa que quisesse deitar no chão junto do performer. Para que esse objetivo se tornasse realidade, necessitava ocupar um tempo grande, que na performance representou 12 horas de acontecimento.

Sabemos que as performances podem ter resultados inesperados e totalmente diferentes do planejamento, pois ela é uma arte dinâmica, viva e que depende, na maioria das vezes, da audiência. A expectativa era o real envolvimento das pessoas que circulavam na ETDUFPA e, pode-se dizer que ela mobilizou a escola neste dia, onde se podia perceber a preocupação das pessoas pela segurança do performer (Figura 4).

Figura 4 - Audiência ao redor do performer e cones delimitando seu espaço de segurança. Fonte: Gomes, Ingrid (2022)
Figura 4 – Audiência ao redor do performer e cones delimitando seu espaço de segurança. Fonte: Ingrid Gomes (2022)

REFERÊNCIAS

DICIONÁRIO BRASILEIRO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Verbete “Cansaço”. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/busca?id=GQP3. Acesso em: 18.dez 2022.

ECKERT, Alex; PERUCHIN, Morgana; MECCA, Marlei Salete. O estresse no ambiente acadêmico e seus reflexos nos alunos de uma Universidade Comunitária Gaúcha. Revista UNEMAT de contabilidade. 9(17). (FALTA O ANO). Disponível em: https://doi.org/10.30681/ruc.v9i17.4297. Acesso em: 18.dez 2022.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis, RJ: vozes, 2015. Acesso em: 15.fev 2023.

MOTA, Artur Dória. Paisagens caminhantes. 2016. 215f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-graduação em Artes, Fortaleza (CE), 2016.

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