Performance de Denilene Navegantes
Texto de Vandiléia Foro e Denilene Navegantes
Fotografias do arquivo pessoal da artista
“A moça tecelã”, conto da escritora Marina Colasanti, descreve o dia a dia de uma moça que gostava de tecer. Todas as manhãs, ao acordar, ela abria as janelas de sua casa para olhar o dia que estava nascendo, junto com o sol. Um dia, ela se sentiu só e resolveu tecer um marido que, após ser tecido, percebendo que sua mulher poderia tecer o que quisesse, começou a convencê-la de tecer várias coisas, inclusive um castelo. Assim, ela foi realizando vários desejos do marido, até que se vê trancada em um quarto, sem poder ver o nascer do sol. Sentindo-se triste e cada vez mais tendo que obedecer às ordens do marido, ela tomou decisão de destecer tudo, inclusive ele.
Essa narrativa me veio à memória ao conhecer como se deu a criação da performance “Quem ama cuida, será?!!!”, da performer Denilene de Souza dos Navegantes, que fala sobre violência doméstica contra mulheres.
Para essa performance, Denilene usa um vestido de noiva feito com tafetá, comprado no brechó. O véu, ela conta que usou uma toalha de mesa velha, que estava já um tempo guardado. Ela criou um panfleto que denuncia, através de dados que mostram registros da violência doméstica contra mulheres. No panfleto, encontramos também o texto que diz:
Não há amor onde é ofensa verbal, não há amor onde há agressão moral, não há amor onde briga é algo banal, não há amor onde há violência carnal. Não permita que roubem tua dignidade, não se contente com uma pseudo felicidade, não aceite que violem tua integridade, não deixe de ser você, não se cale por um beijo, não se omita por um falso desejo, não silencie o que grita teu peito, não desista de viver. Amar é cuidar, é respeitar, é querer o bem sempre (CAMPOS 2025, s/p)
Em sua pesquisa para a criação da performance, também obteve dados e informações em que sede parou com um quadro alarmante “sobre violência doméstica no Brasil, tendo mais de 31 mil casos denunciado até julho de 2022”. Dados que estão no relatório de pesquisa da performer e que ela encontrou na Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SEGUP).
Para esta escrita, fiz essa busca, em sites sobre o assunto, referente ao ano de 2025 e encontrei que, em 2024, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recebeu “pouco mais de 380 mil casos de violência contra a mulher”, como informa a matéria de Saldanha (2024), e que, segundo a pesquisa, está relacionada também aos crimes de violência doméstica, estupro e feminicídio. Em abril de 2024, em um mês, o crime aumentou em 78,5 %, o que soma 178,379 casos referentes à violência doméstica. Sim, ainda são muitos os casos de violência doméstica contra mulheres. Entretanto, sabe-se também, que existem muitos casos que não são denunciados pelas vítimas, seja por medo, descrença ou até mesmo aceitação. O que nos leva a refletir se essa porcentagem é real.
Em seu trabalho, Denilene, com esses dados, tece a sua performance e destece – tal qual a moça tecelã -, denunciando os abusos que mulheres sofrem em suas relações conjugais. A performer caminha pela rua de Icoaraci, bairro onde mora, vestida de noiva com manchas vermelhas – fazendo referência às agressões sofridas por mulheres -, e entra em estabelecimentos de saúde. Não tem como não perceber o que essa mulher está querendo nos comunicar e mostrar para a sociedade, questionando esse sistema de opressão e violência que mulheres vivem em seus lares conjugais.
Para essa escrita, parto de análise das imagens registradas por parentes da performer e percebo os olhares das pessoas ao verem uma noiva “ensanguentada” caminhando nesses espaços públicos. São de casais, mulheres, homens e que, sim, sabem o que aquele corpo quer mostrar e falar. Nas imagens, percebo mulheres que se aproximam para fazer registro, como um gesto de apoio e aprovação do ato de Denilene; outras, observam com atenção; já os homens, uns olham e outros não.
No dia 08 de março de 2025, dia das mulheres, Denilene performou novamente. A ação se deu na orla da praia do Cruzeiro, em Icoaraci. A performer conta que, para ela, é uma luta contra tudo aquilo que já estamos falando: as desigualdades que as mulheres ainda enfrentam no mercado de trabalho, desigualdade de salário, casos de violência que são muitos. Ela faz uma relação com a primeira performance que ela fez, em 2023, e acredita que, – de lá para hoje, 2025 -, houve uma redução, sim, porém, o índice ainda é muito alto; como ela expõe, na verdade, era para ser zero violência contra mulheres, seja ela física, patrimonial, psicológica. Essa última, como Denilene fala, “que machuca a alma da pessoa, principalmente quando essa agressão vem de pessoas que você ama, como marido, irmão, tio e até mesmo filhos”, que acha que, por ser próximo, pode se utilizar da violência contra elas. Para Denilene, foi muito importante fazer a performance nesse dia, porque marca a luta das mulheres e, para ela, é significativo porque ainda tem muitas mulheres que sofrem violência e se calam. Conta também que a escolha do vestido de noiva é porque ela é Católica, Apostólica Romana, e frequenta a igreja, assim, o véu e o vestido de noiva simbolizam aquele casamento na igreja católica e que, quando a mulher casa, acha que é para sempre. Mas, se esse casamento vier seguido de violência, deve-se rever a expressão “até que a morte os separe”, mesmo sendo um casamento feito na igreja; por isso, ela optou por fazer uma pessoa vestida de noiva. A aceitação do público foi boa; ela conta que umas pessoas olhavam com estranheza, incredulidade, outros entendiam o que ela estava querendo dizer. Entregava o panfleto e dava um tempo para as pessoas lerem o que ela queria dizer com a performance. Pra ela foi muito bom, foi positivo. As pessoas entenderam o que ela quis passar. Dá o exemplo de pessoas que estavam namorando, eles se assustavam, viravam o rosto e ficavam olhando de rabo de olho, mas a reação foi positiva; um ou outro, olhava com indiferença, mas a maioria tinha um olhar compreensivo. Conta que passou por um grupo de homens e que, primeiro olharam incrédulos, mas depois teve alguns que falaram: “ah! Ela está simbolizando a violência contra as mulheres. Entenderam visualmente a mensagem que eu quis passar”, conta Denilene sobre a performance que apresentou no dia das mulheres.
Denilene, com sua performance, atua politicamente, tecendo a fala contra a violência doméstica através de um ato artístico. Através da performance “Quem ama cuida, será?!!!”, o que geralmente era privado, entre quatro paredes, a performer torna público.
REFERÊNCIAS
CAMPOS, Sandra. Não há amor onde há ofensa verbal,… Disponível em <https://www.pensador.com/frase/MjEyMDUyOQ/> acesso em 13 de março de 2025.
COLASANTI, Marina. A Moça Tecelã. 2007
SALDANHA, Rafael. Justiça brasileira recebe 2,5 mil processos de violência contra a mulher por dia, segundo CNJ. CNN.2024. Disponível em <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/justica-brasileira-recebe-25-mil-processos-de-violencia-contra-a-mulher-por-dia-segundo-cnj/> acesso em 03 de março de 2025.
A performance denuncia a violência contra mulheres que ocorrem sobretudo, no silêncio do casamentos fracassados pelos insultos, estupro do corpo e da mente
Denilete anuncia que a vergonha tem de mudar de lado, pois ela é do agressor e não da vítima.
Ela fala por nós e pelas mulheres da nossa ancestralidade.
Parabéns Vandi e Denilene pelo texto.
Observei de perto as duas performances ,e confesso que fiquei surpreso com os olhares e as perguntas de ‘ O que aconteceu com ela ? ‘ a preocupação com a personagem como vítima da violência contra as mulheres.
Parabéns pela bela reflexão e abordagem de um tema tão sensível.
Sensacional! Precisamos falar sobre isso!
Um ato de coragem essa performance, pois o assunto merece todo esse cuidado. A atriz conseguiu expressar todo um sentimento de muitas mulheres que passam por essa triste realidade.
Parabéns lindo, necessária a reflexão.