Não foi acidente!

Não foi acidente!

Performance de Celso Cabral
Texto de Celso Cabral e Cláudia Gomes

Em 2018, durante a disciplina Performance, no Curso de Licenciatura em Teatro, na Escola de Teatro e Dança, da Universidade Federal do Pará – ETDUFPA – ministrada pela professora Karine Jansen, o performer Celso Cabral construiu uma performance intitulada “Não foi Acidente”. 

A performance surge para comunicar e denunciar crimes ambientais recorrentes no nosso país como em Mariana, município do estado de Minas Gerais. Esse crime aconteceu decorrente de um rompimento de barragem da empresa Samarco, em Mariana, no dia 05 de novembro de 2015. Os rejeitos da barragem foram parar na bacia do Rio Doce. E não foi apenas o rio que sofreu com esse crime ambiental, a cidade ficou soterrada em lama.

Esse caso infelizmente não foi isolado, em fevereiro de 2018 ocorreu um vazamento de rejeitos pela mineradora Hydro Alunorte, na cidade de Barcarena- Pará- Brasil. O crime ambiental deixou uma cor avermelhada nos rios Pará e Murucupi, assim como nos igarapés da região. Conforme a jornalista Barbosa (2018):

Treze comunidades ribeirinhas, que dependem dos recursos naturais dos igarapés Bom Futuro, Burajuba e dos rios Murucupi e Tauá, na bacia do rio Pará, em Barcarena, viram seus quintais e poços artesianos serem tomados por uma lama vermelha na sexta-feira (16). Chovia forte na região. Mas a certeza era outra. Houve o que eles temiam há muitos anos: o vazamento de rejeitos químicos das atividades de processamento da mineradora Hydro Alunorte, de capital norueguês, reconhecida como a maior refinaria de bauxita do mundo. (BARBOSA, 2018)

E assim, o performe utilizou dois crimes ambientais como indutores: o de Mariana e Barcarena. E também a música do Edu Krieger chamada Lama sem Alma, em que a canção fala sobre o crime ambiental do município de Mariana, especialmente o trecho “ […] Essa tragédia não tem nada de acidente […]. 

A performance foi intitulada “Não foi acidente” para denunciar as mineradoras que colocam o lucro acima da vida. Regra do sistema capitalista. 

Essa tragédia
Não tem nada de acidente
Foi descaso dessa gente
Que tem sede de poder
Mas fazem média
Quem tem culpa fica ileso
Pois com tanto rabo preso
Como é que vão prender (KRIEGER, 2015)

A música do Edu Krieger foi indutora para encontrar o nome da performance e também encontrar um outro elemento fundamental para a potência da performance – a argila – que representou a lama sem alma

Para a representação dos rios o performe utilizou uma bacia, onde despejou a argila amolecida com água.  De acordo com Schechner (2003, p. 26) “Mostrar-se fazendo é performar: apontar, sublinhar e demonstrar a ação …”.

A população de Barcarena possui dois rios que para eles é fonte de sobrevivência e existência, a água é fonte fundamental de subsistência: a água para beber é a água para viver. Logo, existe um comportamento em relação ao rio. Um comportamento cotidiano. Como o próprio Schechner (2003, p. 25) diz “Na vida cotidiana, performar para ser exibido ao extremo, sublinhado uma ação para aqueles que a assistem”.  Esse movimento de rever um comportamento para o autor é a restauração dele.

O comportamento restaurado existe no mundo real, como algo separado e independente de mim. Colocando isto em termos pessoais, o comportamento restaurado é – eu me comportando como se fosse outra pessoa, ou eu me comportando como me mandaram ou eu me comportando como aprendi. (SCHECHNER, 2003, p. 33)

As ações foram construídas e a performance realizada no pátio da escola de Teatro e Dança da UFPA. 

O performer Celso Cabral arramou uma corda entre 2 pilastras para pendurar roupas de uma bacia com água e argila – a lama. Depois de tirar a camisa e a bermuda ele se banhou com a lama, que simbolicamente representa a “água enlameada” dos crimes ambientais. Em seguida, o performer colocou no chão 2 dois pedaços de papelões e começou a pichar “Fora Hydro”, pois não lhe foi permitido pichar direto no chão. 

Em 2021, Celso Cabral ganhou o prêmio do edital Juventude Ativa, organizado pelo Movimento República de Emaús, através da Secretaria de Cultura do Estado do Pará SECULT, com recursos da Lei Aldir Blanc. A performance que foi apresentada em 2018, também foi revisitada em 2021.

As imagens acima foram registradas no Ver-O-Peso, em Belém. As pessoas paravam e olhavam a performance, perguntava do que se tratava.  Aquelas que estavam no ônibus se levantavam para observar. 

Então, as perguntas que não calam na performance:

Como podem as pessoas de Barcarena utilizar águas enlameadas para lavar as suas roupas? E como fariam para beber dessa água? 

E assim, o performer lavava as roupas na água enlameada e as colocava em um estendendor e em seguida levava a mesma água à boca para bebê-la.

A performance comunica e grita à sociedade sobre crimes ambientais cometidos no Brasil, também transpõe o fazer artístico para construir uma denúncia. É o Artivismo político do performer amazônico.

Ficha Técnica do Vídeo “Não foi acidente”

Performer: Celso Cabral
Voz: Socorro do Burajuba
Imagens: Eziel Duarte e Odin Gabriel
Edição: Celso Cabral e Odin Gabriel
Audiodescrição: Neire Lopes e Nádia Lu
Agradecimento: Karine Jansen e Cláudia Gomes
Produção: Girassóis do Pará e Drama Rasgado

Projeto selecionado pelo Edital Juventude Ativa – Lei Aldir Blanc Pará, 2020.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Catarina. Vazamento de rejeitos da Hydro Alunorte causa danos socioambientais em Barcarena. Amazônia Real 2018. Disponível em: https://amazoniareal.com.br/vazamento-de-rejeitos-da-hydro-alunorte-causa-danos-socioambientais-em-barcarena-no-para. Acesso em: 12 fev 2022.

SCHECHNER, Richard. O que é performance. O percevejo – Revista de teatro, crítica e estética UNIRIO. Rio de Janeiro, v. 12, 2003, p. 25-50.

CHAIA, Miguel. Artivismo – Política e Arte Hoje. Revista Aurora PUCSP, São Paulo 2007, v. 1, p. 9-11

JANSEN, Karine; ROCHA, Raphael. Flores para Pietá: Re-Performando o sagrado/subversivo. Revista Sentidos da Cultura. 2020. v. 07 n° 12 Jan/Jun, p. 21-36

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