Performance de Victória Souza
Texto de Melquisedeque Matos
“A imagem associada à memória valerá por si mesma, pelo ato de superação e de comunicação que ela pode estabelecer enquanto arte.” (RANGEL, Sônia. 2015. Pg.17). É com essa citação que inicio afirmando que a performance constrói uma imagem que acima fala por si, nasce das costuras da pele, mas já não se limita nessa ligação, alcança um ponto macro por tocar uma comunicação entre arte e a reflexão social, criando assim identificações que reverberam.
Dito isso, a performer se posiciona no início do pátio da Escola de teatro e dança da UFPA com seu corpo envolto de elásticos brancos, os quais apertam, prendem, amarram, o corpo, a voz e o cabelo da artista.
Nesse âmbito, consegue-se observar o simbolismo dessa tríade que, para Victória, estrutura o seu silenciamento enquanto mulher negra. Em seu depoimento, a artista afirma:
Uso do elástico branco como uma forma de opressão de identidade, um elástico que não só prende meu cabelo, mas que prende meu corpo de mulher negra, e minha boca. Nesse elástico há todo o machismo, o racismo, o bullying. Tudo aquilo que me atinge de alguma forma. (SOUZA, Victória. 2018)
As fitas que amarravam os laços dos cabelos lisos das meninas brancas, eram as mesmas fitas que amarravam os sorrisos, os (a)braços, a voz, o corpo e a sua subjetividade. Em um resumo de 3 linhas, estas são as sensações que Victória Inês Oliveira de Souza em sua trajetória enquanto mulher negra, a qual vive em uma sociedade de esvaziamento da subjetividade da população negra.
A dominação dos corpos é uma realidade cada vez mais observável socialmente, no entanto, a dominação dos corpos negros é um acontecimento que nunca cessou. Atualmente, o caminho de controle e disciplina desses corpos não está simplesmente na violência direta, ou seja, física, mas agora, aproveita-se da construção de uma sistemática de violência simbólica que age igualmente com objetivo de tornar os corpos doceis e passiveis desse movimento de esfacelamento das individualidades. Nesse sentido, Miriam Furlan Brighente e Peri Mesquida comentam:
[…] docilização dos corpos não está mais necessariamente ligada à violência física (castigos, palmatória, ficar de joelhos no milho, palmadas etc.), mas se estabelece por outro tipo de violência sobre o corpo – uma “violência simbólica”. Há assim, um olhar de reprovação, como também a privação da palavra, a proibição da expressão do pensamento, a exigência da boa conduta. (2011, p. 2391)
A partir dessa realidade, Victoria rememora situações de quando tinha 8 anos, talvez menor; era uma menina pretinha do cabelo crespo, sofria seu corpo, sofria seu cabelo por ter que ser circunscrito na limitação do elástico que produzia frizz-dor. Ela crescia aos berros de “cabelo de bombril”, das perseguições na adolescência. “Se alisar fica mais bonito” era umafrase cíclica que ocupava a rotina. De tanto que essas palavras foram pregadas, pregada ficou a jovem, presa na beleza branca dos seus cabelos, agora, aos 13 anos, lisos.
Nesse sentido, essa sistemática é denunciada pela performer a qual busca no seu corpo preto as marcas, ou melhor dizendo, as amarras, como propõe a artista. É nessa busca que constrói seu processo criativo, escavando memórias, isto é, indutores que potencializassem o seu corpo-em-vida. Nesse sentido, a performance não está querendo montar uma representação da memória, mas cultiva uma imagem-força fruto de uma percepção de vida, a qual cria simbolismos e simbioses com quem se colocar em interação, os rastros da poética culminam no ato poético por si, que está em constante diálogo e transmutação. (SALES, 2018)
REFERÊNCIAS
BRIGHENTE, Miriam Furlan; MESQUIDA, Peri. Michel Foucault: corpos dóceis e disciplinados nas instituições escolares. I Seminário Internacional de Representações Sociais, Subjetividade e Educação – SIRSSE. Pontífica Universidade Católica do Paraná. Curitiba, 2011
RANGEL, Sonia. Trajeto Criativo. Bahia: Solisluna Editora, 2015.
SALLES, Cecília A.. Gesto Inacabado: processo de criação artística. 5 ed. São Paulo: Intermeios, 2012.
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